O amor segundo Miguel Esteves Cardoso :)
As crónicas de Miguel Esteves Cardoso, no Independente, fizeram-me companhia no final dos anos 80 e nos anos 90. Sempre peguei no Independente pelas suas crónicas. Não era apenas pelas ideias, sempre provocadoras e divertidas, mas também e sobretudo, pela forma, pela destreza na utilização da língua portuguesa. Um verbo podia ser tratado e revirado do avesso e inspirar todo um texto e inspirar-nos também.
Estou convencida que os textos do Miguel ainda serão objecto de estudo pela criatividade da sua construção, pela utilização e valorização dos vários elementos da frase. Os substantivos, os verbos, os advérbios, ganham vida e ficam a brincar connosco. Será muito interessante estudar a forma inovadora e as soluções que descobre para revitalizar a língua portuguesa, a língua que todos amamos.
A língua é código de comunicação, e o Miguel fala com o leitor, provoca-o, ri-se com ele, aconselha-o e até o consola. :) A língua é também instrumento musical, e percebe-se facilmente que a sua sensibilidade musical o ajudou a ouvir os sons antes de os perceber e utilizar dessa forma inovadora.
É com estranheza bem-humorada que leio este texto no Blog do ArLindo. Imensa informação sobre o amor-paixão da geração do Miguel e do amor prático da geração X (e dos Millennials também).
Tudo o que o Miguel refere como positivo no amor-paixão levou-me sempre a evitar essa confusão, território caótico de discussões sobre tudo e coisa nenhuma. O amor-paixão é intenso, excessivo.
Os adjectivos que o Miguel utiliza são esclarecedores: amor impossível... sem uma razão... paixão desmedida... amor cego, amor estúpido, amor doente... Mas também os substantivos: tristeza, medo, desequilíbrio... céu e inferno... E os verbos: não se percebe, não é para se perceber... correr atrás do que não se sabe, não apanha, não larga, não compreende. E os advérbios de modo: muito difícil, muito desesperadamente...
A descrição do amor prático - conversas, compreensões, compromissos, alívio, repouso, intervalo, pronto-socorro, serenidade - soa-me como um mundo ideal, a paz doce, chegar a casa. :)
Claro que, sendo o texto de 1991, o Miguel pode ter entretanto mudado de perspectiva sobre o amor. Até porque encontrou, na vida real, o amor verdadeiro.
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A música e a vida: o que permanece
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Amar o Cinema: Stanley Kubrick
Um dia destes, enquanto esperava por um filme que se visse, dei com o Mathew Modine a ser entrevistado no TCM. Estava precisamente na parte da entrevista em que referiu a sua experiência num filme de Stanley Kubrick.
Definiu-o como um génio e definiu essa experiência como verdadeiramente inesquecível: Na nossa vida o mais importante são as experiências. Não são meses e anos somados... são as experiências significativas.
Para este actor, trabalhar com Stanley Kubrick foi uma dessas experiências.
Achei interessantíssimo ouvi-lo dizer que este realizador era, na sua vida privada, completamente diferente da imagem que lhe associamos de excêntrico, obsessivo, quase louco. Classificou-o mesmo como um homem de família: a sua casa tinha uma enorme cozinha, uma espécie de lugar de convívio familiar, onde a mulher pintava (foi o que percebi, que era pintora), onde os filhos faziam os trabalhos de casa e onde recebiam os amigos. Penso que essa imagem de excêntrico lhe permitia proteger a sua vida privada. Está bem visto.
Na verdade, alimentei durante anos aquela imagem do realizador, de excêntrico e solitário, reforçada pelo génio que sempre lhe reconheci, aquele perfeccionismo.
Mas apesar de lhe reconhecer o génio, não revi nenhum dos seus filmes (a não ser duas excepções). São todos de uma intensidade e de uma violência psicológica, cada um no seu tema específico, que não me apeteceu repetir a experiência.
A não ser, como disse, duas excepções: o Laranja Mecânica, que revi com colegas de faculdade pelo tema em questão, e o Barry Lyndon, de todos os Kubrick o meu preferido.
Em Barry Lyndon encontramos uma fidelidade impressionante a uma época, com personagens fascinantes, que se deixam arrastar pelas paixões: o amor e o ódio, a ambição e a vingança. Todo o filme é uma ópera de cor e de sensualidade, e aquela música a envolver tudo...
Em todos os seus filmes vemos o seu imenso amor ao cinema, um pouco obsessivo, todo aquele perfeccionismo, sim, talvez mesmo excessivo, podemos mesmo aqui falar de paixão genuína. E também podemos falar de génio. No Cinema Stanley Kubrick foi único.
Coincidência feliz: Descobri ainda a tempo este post, O que os outros realizadores dizem de Kubrick, n' O Homem que Sabia Demasiado.
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O feitiço da Lua
Foi tema de filme, Moonstruck, o seu feitiço...
Leio no Yahoo que hoje a Lua está visível como não estará em mais nenhuma altura do ano. Chamam-lhe mesmo the wolf moon...
Eu prefiro chamar-lhe Cosmo's moon... como diz uma das personagens do filme. Pelos vistos, Cosmo deixara-se enfeitiçar há muitos anos. Agora, limitava-se a fugir da morte, como lhe diz a mulher ao desconfiar do seu caso. Mas será a filha, uma viúva ainda jovem que perdera a esperança de viver um amor feliz, a submeter-se desta vez ao seu feitiço.
Se puderem, acompanhem esta Lua e vejam o filme.
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A música no Cinema e na vida
Quantas vezes não é uma música que nos salva?, que nos anima?, que nos vem lembrar que ainda há surpresas à nossa espera?
Alguns sons, uma voz, e voltamos a esse lugar mágico! Uma claridade que não sabemos definir. Deve ser a nossa própria claridade que transportamos connosco, mas de que nos esquecemos até alguma coisa nos lembrar o essencial de nós.
A música é uma delas. Uma coisa essencial.
A primeira coisa que conhecemos é um som ritmado, o som de um coração que bate. Embala-nos desde o início.
Em muitos momentos determinantes da minha vida a música esteve sempre presente. Acompanhou-me de perto, de muito perto. Como se marcasse o ritmo dos meus pensamentos, a minha respiração. Como se marcasse as cenas do filme em que se foi tornando a minha vida, às vezes David Lean, às vezes Frank Capra, mas também às vezes Woody Allen (embora eu o contrarie)... Só espero é que o Ingmar Bergman nunca me apanhe...
O Cinema sempre entendeu a importância da música porque desde o início se fez acompanhar por ela. E logo desde o início, antes do sonoro.
Com a música as cenas adquirem outra intensidade e também outra densidade.
Há algumas músicas de filmes que me fascinaram desde logo e que ainda são as minhas preferidas. Como estão ligadas aos filmes, irei falar de cada uma em próximos posts.
Hoje é só para lançar este desafio:
Quando virem ou revirem Immortal Beloved, sobre a vida atribulada de Beethoven, reparem na importância da música como expressão da agitação interior e dos sonhos originais, que aqui permanecem vivos, apesar do sofrimento, da solidão e da decadência.
Beethoven é um exemplo comovente de um génio que ultrapassa a maior limitação de todas para um compositor: a surdez prematura. No seu caso, as notas musicais são mentais. As suas últimas composições já não lhe eram acessíveis: ouvia-as mentalmente. É esta a dimensão do seu génio.
Mas Beethoven também ultrapassa a pior limitação de todas: a ausência de paixão. A paixão está ainda viva nas suas composições, mesmo perto do fim.
Reparem bem nessa correria da criança ao som do Hino à Alegria, nessa noite de estrelas, a fugir da violência paterna e a encontrar refúgio no reflexo universal de mil pontinhos luminosos, nesse lago muito quieto.
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Amar o Cinema: Martin Scorsese
Raramente veremos alguém tão inflamado e transfigurado como Martin Scorsese quando fala de Cinema e dos grandes cineastas do séc. XX. Desta vez foi nos Globos de Ouro 2010 que vi ontem até às tantas.
É realmente enternecedor ver este homem baixinho, de óculos enormes, entusiasmado com o trabalho de restauro dos filmes de Cecil B. DeMille. É esse lado apaixonado pelo Cinema que eu mais aprecio em Scorsese, embora lhe reconheça um enorme talento. Aquele Taxi Driver... o New York, New York... A Cor do Dinheiro... A Última Tentação de Cristo... o comovente Kundun... E, mais recentemente, O Aviador...
Mas no seu trabalho de divulgação do Cinema, do cinema-arte, Scorsese é único! O seu documentário A Personal Journey With Martin Scorsese Through American Movies (1995), por exemplo é, em si mesmo, uma verdadeira obra-prima! Gravei a série, que passou na televisão, quando a RTP2 era um oásis cultural.
Só pelo seu breve discurso sincopado - Scorsese fala aos tropeções, muito rapidamente -, quando foi ao palco receber o Prémio, valeu a pena assistir à cerimónia até ao fim. O Prémio Cecil B. DeMille aqui aplica-se muitíssimo bem!
Também gostei de ver em palco Robert de Niro e Leonardo di Caprio a apresentar o amigo Scorsese e a entregar-lhe o Prémio. Foi um dos momentos mais autênticos e genuínos, de uma cerimónia muito artificial, e apresentada por um humorista inglês sintonizado com a superficialidade de um certo humor americano.
De resto, gostei do breve discurso do realizador alemão Michael Haneke.
E gostei de ver a elegância de Jessica Lange, a destacar-se claramente das outras mulheres. A diferença não estava apenas no vestido, impecável - havia alguns outros vestidos originais -, mas na pose sóbria e amável.
Também gostei de ver na assistência um George Clooney completamente absorvido na causa do Haiti.
Tenho falado aqui de paixão e de energia vital. No meu caso, já devem ter reparado que o meu discurso muda logo quando me dedico ao cinema, aos livros ou a outras vozes que descubro na blogosfera.
Hoje a minha descoberta é esta grande surpresa: a amável Equipa do Sapo destaca as_coisas_essenciais. Obrigada. Esta é já uma grande família de bloggers a criar e a comunicar, a reflectir e a trocar ideias.
Que quem por aqui passe se sinta bem recebido, pois n' as_coisas_essenciais há sempre um lugar para todos os viajantes.
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Sobre vidas paralelas: Grace Kelly
Hoje senti pela primeira vez a antecipação da primavera. A deste ano, ainda não é a tal primavera. Mas quem sabe, teremos de ser nós a inventar a nossa primavera. O sol apareceu, primeiro timidamente, mas agora inunda tudo, numa luz muito branca.
O que tem isto a ver com o título do post? Tudo.
O que nos leva a determinadas escolhas nas nossas vidas? Escolhas que determinam a sequência do nosso filme e, por vezes, de forma assim definitiva?
Nunca aderi à noção de destino ou pré-determinação genética (se bem que alguns estudos de gémeos idênticos sejam verdadeiramente impressionantes), mas há tendências para esta ou aquela opção de vida, para a tristeza ou para a alegria, para a auto-preservação ou para a auto-destruição, até para a alienação, a fuga.
Pensei em Grace Kelly porque a vi ontem, num filme não muito interessante, mas ainda assim com cenas de uma força emotiva impressionante: The Country Girl. Habituados a vê-la sempre elegante, impecavelmente vestida, numa pose perfeita, ficamos surpreendidos por vê-la aqui mal vestida, como se isso fosse impossível. Grace Kelly conseguiu ser convincente neste filme na pele da mulher leal de um alcoólico a tentar pôr-se novamente de pé. Para minha grande surpresa, escolhe ficar, apesar de se ter apaixonado pelo homem que lhe salvara o marido da decadência inevitável. E que par teriam feito Grace Kelly e William Holden...
Também convincente na cena em que vai esperar o marido ao teatro e pisa o palco: Consigo entender a magia de um teatro vazio... Não pude deixar de imaginar o que teria pensado Grace Kelly, muitos anos depois, ao ver-se privada do palco, do teatro, do Cinema... nessa prisão dourada que foi a sua vida como princesa do Mónaco. Teria lamentado a sua escolha determinante?
Se pensarmos nas possibilidades que se lhe abriam como actriz naquela época, esse papel de princesa, que assumiu na perfeição, não a podia preencher. O mundo fechado desse pequeno principado e a artificialidade desses rituais, não condiziam com a autenticidade das emoções da representação... por isso aquela sua frase no palco me impressionou tanto...
O seu olhar já não é o mesmo, mesmo nas épocas mais felizes, nessas fotografias de família em jardins bem arrumados. Não sei se lamentou essa escolha definitiva, mas tenho quase a certeza que sentiu a falta dessa respiração do Cinema, dessa magia do palco, dos colegas, dos amigos, da vida cultural americana...
Conheci na minha vida esse embaciar do olhar, a desistência dos sonhos, e digo-vos, é o pior que pode acontecer a alguém, perder a paixão. Seja pelo que for, mas não deixem morrer a paixão nas vossas vidas!
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Descubro-te em mim sempre
paisagens tonalidades gestos
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Sentimento pleno
profundo
como a ligação física a uma paisagem
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Respiro a sensualidade de existir
como se pela primeira vez